No plenário da Câmara a semana foi marcada por projetos polêmicos. Após aprovarem na terça proposta que aumenta o tamanho de terras da União passíveis de regularização sem vistoria prévia, nesta quinta os deputados acolheram o projeto de privatização dos Correios, depois de todos os esforços em contrário da oposição. A bancada oposicionista, inclusive, já anunciou que vai entrar na Justiça contra o texto, que ainda será analisado pelo Senado.
Os deputados acataram ainda medida provisória que simplifica abertura de empresas, após a medida voltar do Senado, e projeto que institui política de bem-estar para profissionais da educação, relatado pela pedetista Tábata Amaral (SP).
Correios
Depois de um dia de batalha da bancada de oposição, o plenário aprovou o Projeto de Lei 591/21, do Executivo, que autoriza a exploração pela iniciativa privada de todos os serviços postais. A proposta estabelece condições para a desestatização da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT) e remete a regulação do setor à Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel).
Atualmente, a iniciativa privada participa da exploração dos serviços postais por meio de franquias, mas os preços seguem tabelas da ECT, que detém o monopólio de serviços como carta e telegrama. Entretanto, já existe concorrência privada para a entrega de encomendas, por exemplo.
Segundo a versão aprovada, o monopólio para carta e cartão postal, telegrama e correspondência agrupada continuará com a ECT por mais cinco anos, e o contrato de concessão pode estipular prazo superior. Correspondência agrupada ocorre quando vários objetos estiverem reunidos em um único despacho postal e ao menos um deles for sujeito a monopólio estatal, como é o caso dos malotes.
O texto fixa condições para a desestatização da empresa, como a prestação dos serviços com abrangência nacional, contrato de concessão com modicidade de tarifas para os serviços postais universais e mudança do nome para Correios do Brasil. Além disso, a nova empresa não poderá fechar agências “essenciais” à prestação do serviço postal universal em áreas remotas do País, segundo o disposto no contrato de concessão; e deverá manter serviços de caráter social realizados pela estatal atualmente.
Quanto aos empregados, propõe que eles não poderão ser demitidos sem justa causa por 18 meses depois da venda da empresa e deverão contar com plano de demissão voluntária (PDV). A adesão ao PDV poderá ocorrer dentro de 180 dias da desestatização, com indenização igual a 12 meses de salário, manutenção do plano de saúde também por 12 meses e plano de requalificação profissional.
O substitutivo aprovado define como serviço postal universal o telegrama, a carta e o impresso – simples ou registrados –, o objeto postal (encomenda) sujeito à universalização com dimensões e peso definidos pelo órgão regulador e outros objetos definidos pelo Executivo com base na essencialidade do serviço.
A cada cinco anos, o Poder Executivo deverá revisar o que continua a fazer parte do serviço postal universal em razão de sua essencialidade, com base em relatório da Anatel. A agência passará a ser denominada Agência Nacional de Telecomunicações e Serviços Postais (Anatel).
Se virar lei, a prestação do serviço postal universal deverá ser garantida pela União por meio da ECT estatal ou por contratos de concessão comuns à iniciativa privada, podendo esses dois modelos coexistirem.
O PDT, assim como outros partidos de oposição, apresentou destaques na tentativa de “reduzir danos”, como afirmou o deputado André Figueiredo (PDT-CE), autor de duas tentativas de mudar o texto. Uma das emendas do parlamentar pretendia remeter ao Congresso Nacional a definição de mudanças na política postal e dos serviços postais universais ou de interesse social; a outra pretendia garantir a igualdade tarifária para usuários em todo o território nacional.
Ao defender o segundo destaque, André Figueiredo ressaltou que a iniciativa visava manter igualdade tarifária em todas as regiões. Segundo sublinhou, “os Correios estão em 5.570 municípios, mas apenas 324 dão lucro, que compensa o prejuízo com os demais, que a lógica da política de telecomunicações”. O relator, no entanto, rejeitou todas as propostas de mudança.
Ao discursar contra o projeto, o líder do PDT, Wolney Queiroz (PE), sustentou que ontem “foi um dia lamentável para o Brasil e para o Parlamento”, por vender “um dos maiores patrimônios do País”. O líder pedetista afirmou ainda que este governo tem várias marcas, como o negacionismo da ciência, o desmatamento, a carestia, o aumento da fome, mas é marcado principalmente “pela entrega do patrimônio nacional”.
Wolney Queiroz ressaltou ainda que os Correios são a maior empresa de logística postal da América Latina, tricentenária, com 15 mil unidades próprias e quase 100 mil funcionários. Além disso, destacou tratar-se de empresa lucrativa, que, “entre 2001 e 2020, entregou R$ 9 bilhões em dividendos à União”. Ainda conforme disse, somente no ano passado, a instituição teve lucro de R$ 1,5 bilhão.
O atual líder da Minoria, deputado Marcelo Freixo (PSB-RJ), afirmou que a proposta inconstitucional, e que a Justiça terá de decidir sobre o tema. “Este debate fere o artigo 21 da Constituição, então, jamais poderíamos, dessa forma, estar privatizando os serviços de Correios do País, vamos recorrer à Justiça”, declarou.
Conforme o artigo 21 da Constituição de 1988, compete à União “manter o serviço postal e o correio aéreo nacional”.
Regularização fundiária
De acordo com o Projeto de Lei 2633/20, o tamanho de terras da União passíveis de regularização sem vistoria prévia do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) passa de 4 para 6 módulos fiscais. Para isso, basta a análise de documentos e de declaração do ocupante de que segue a legislação ambiental. A matéria será enviada ao Senado.
Segundo o texto, a regularização de imóveis com base nessa lei poderá beneficiar inclusive posseiros multados por infração ao meio ambiente, se for atendida qualquer uma destas condições: imóvel registrado no Cadastro Ambiental Rural (CAR), adesão ao Programa de Regularização Ambiental (PRA) ou o interessado assinar termo de compromisso ou de ajustamento de conduta para recuperar vegetação extraída de reserva legal ou de Área de Preservação Permanente (APP).
O texto especifica que será obrigatória a vistoria se o imóvel for objeto de embargo ou de infração ambiental; tiver indícios de fracionamento fraudulento; se o requerimento for feito por procuração; se houver conflito declarado ou registrado na Câmara de Conciliação Agrária; se houver ausência de indícios de ocupação anterior a 2008; ou se o tamanho for maior que 6 módulos fiscais.
Quanto aos critérios para se encontrar o valor a pagar pela terra da União, o texto aprovado permite o uso de tabela de valores da terra nua de microrregião vizinha quando não existir uma tabela específica para a região em que está localizada a gleba a ser regularizada. A administração pública poderá ainda realizar a avaliação do imóvel.
Essas novas regras para definição do valor a pagar serão aplicáveis inclusive a títulos emitidos antes de 11 de julho de 2017, que poderão ser quitados em 20 anos com carência de até três anos. Atualmente, essas regras valem apenas para títulos de regularização emitidos até junho de 2009, data da Lei 11.952/09.
Já aqueles que tenham deixado de pagar as prestações ao Incra referentes a títulos emitidos até 10 de dezembro de 2019 terão até dezembro de 2024 para pedir a renegociação nesses termos. Além do titular e de seus herdeiros, poderão pedir a renegociação os compradores de boa-fé.
A lei atual previa essa renegociação para títulos emitidos até dezembro de 2016, além da comprovação de cláusulas como a prática de cultura, o respeito à legislação ambiental e ausência de trabalho análogo ao escravo.
O texto enviado ao Senado dispensa a comprovação pelo interessado do cumprimento dessas cláusulas, mas impede a renegociação se o beneficiário estiver no cadastro de empregadores que submetem trabalhadores a condição análoga à de escravo ou tiver sido multado por desmatamento de reserva legal ou APP sem participar de processo de regularização.
A bancada do PDT também tentou melhorar o projeto por meio de emendas. Um dos destaques do partido pretendia impedir que o imóvel fosse dado como garantia de empréstimos rurais mesmo dentro do prazo de proibição de venda estipulada pelo título. O outro pretendia impedir que posseiros em processo de regularização ambiental após desmatamento pudessem regularizar a área ocupada. Todas as tentativas de alterar o texto, entretanto, foram rejeitadas.
Abertura de empresas
Após voltar do Senado, a Medida Provisória 1040/21, que elimina exigências e simplifica a abertura e o funcionamento de empresas, foi mais uma vez aprovada pelos deputados. Todas as mudanças feitas por senadores foram rejeitadas e o texto aprovado pela Câmara em 24 de junho segue para sanção presidencial.
Dentre as mudanças previstas na proposta, consta, por exemplo, a emissão automática, sem avaliação humana, de licenças e alvarás de funcionamento para atividades consideradas de risco médio. Enquanto estados, Distrito Federal e municípios não enviarem suas classificações para uma rede integrada valerá a classificação federal.
Lista do comitê gestor da Rede Nacional para a Simplificação do Registro e da Legalização de Empresas e Negócios (Redesim) classifica em médio risco, no âmbito federal, atividades como comércio atacadista de vários tipos de alimentos de origem vegetal e animal; hotéis; motéis; transporte de cargas de produtos não sujeitos à vigilância sanitária; educação infantil; ou atividades médicas sem procedimentos invasivos. A plataforma tecnológica da Redesim poderá abranger também produtos artesanais e obras de construção civil.
Para o processo de registro de empresários e pessoas jurídicas realizado pela Redesim a MP também impede a exigência de dados ou informações que constem da base de dados do governo federal e outras informações adicionais previstas por estados e municípios para a emissão das licenças e alvarás e do Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ), único número a identificar a empresa perante todos os órgãos públicos federais, estaduais e municipais.
A exceção é para as licenças ambientais, que continuam regidas pela legislação específica.
Confira outras mudanças:
– empresário poderá optar por usar o número do CNPJ como nome empresarial;
– junta comercial não precisará mais arquivar contrato e suas alterações após escaneamento. Responsáveis e outros interessados terão 30 dias antes da destruição para retirar documentos;
– acaba a proteção do nome comercial de empresa sem movimentação há dez anos;
– procuração exigida pela junta comercial não precisará mais de reconhecimento de firma;
– acaba com anuência prévia da Anvisa para patentes de produtos e processos farmacêuticos;
– acaba com a possibilidade de o Poder Executivo estabelecer limites para a participação estrangeira em capital de prestadora de serviços de telecomunicações;
– acaba com exigência de que transporte de mercadorias importadas por qualquer órgão da administração pública seja feito obrigatoriamente em navios de bandeira brasileira.
O projeto ainda muda regras sobre funcionamento de empresas de capital aberto (com ações em bolsa de valores), tais como medidas para proteção de acionistas minoritários. Para as empresas em geral, também houve modificações nas leis. Uma delas permite ao administrador residir oficialmente no exterior, contanto que mantenha procurador no Brasil apto a receber citações em processos administrativos instaurados pela CVM contra ele.
O texto também acaba com a sociedade simples e com a sociedade limitada (Ltda), de modo que todas elas ficam sujeitas às normas válidas para as sociedades empresárias, independentemente de seu objeto, como cooperativas e sociedades uniprofissionais.
Quanto às chamadas S.A., o projeto aprovado acolheu a controversa figura do voto plural, por meio do qual uma companhia pode emitir ações ordinárias, que são aquelas com direito a voto, em uma classe que confere mais votos por ação, no limite de dez por cada uma. Assim, na prática isso permitiria controlar uma empresa com pouco mais que 9% do capital.
Em maio deste ano, a Comissão de Desenvolvimento Econômico, Indústria, Comércio e Serviços rejeitou projeto de conteúdo semelhante (PL 10736/18) do deputado licenciado Carlos Bezerra (MT), que foi arquivado.
Qualidade de vida para profissionais da Educação
Para instituir a Política de Bem-estar, Saúde e Qualidade de Vida no Trabalho e Valorização dos Profissionais da Educação o plenário acatou o Projeto de Lei 1540/21. A medida, que lista objetivos e diretrizes a serem seguidos em planos governamentais, foi enviada ao Senado.
Segundo o substitutivo de Tabata Amaral, os planos deverão ser elaborados em até um ano depois de o projeto virar lei. Para as escolas privadas, os planos serão optativos. A fim de permitir a medição dos resultados e os impactos dos planos no clima organizacional e nas vivências dos profissionais de educação no ambiente de trabalho, os planos deverão conter indicadores de gestão atualizados anualmente e instrumentos de avaliação das metas, com publicação de relatório ao final da gestão do Executivo.
Deverá ainda haver acompanhamento de dados sobre falta ao trabalho, readaptação funcional e acidentes de trabalho, entre outros aspectos.
São objetivos da política, conforme o projeto, a promoção da saúde integral levando em conta as condições, os processos, os contextos de trabalho, o perfil, as necessidades específicas dos profissionais da educação e o número de jornadas realizadas em casa e no trabalho, assim como a carga horária e o número de alunos em sala de aula.
Também deverão ser buscados a redução dos índices de falta ao trabalho e de baixo desempenho; o fomento da formação continuada, da autonomia e da participação ativa; e a valorização do bem-estar no ambiente laboral com vivências obtidas por experiências lúdicas, culturais e esportivas.
Já entre as diretrizes destacam-se os seguintes pontos:
– o estabelecimento de um plano organizacional para desenvolver ações para educação e inclusão social dos trabalhadores com deficiência, garantindo-lhes condições de trabalho adequadas;
– o estímulo ao equilíbrio entre as atividades profissionais, os cuidados com a saúde e a vida pessoal dos trabalhadores;
– o estímulo ao desenvolvimento contínuo do aprendizado; e
-a promoção da troca de experiências pedagógicas entre os profissionais da educação, inclusive por meio de mentoria profissional para os novos profissionais da educação.
Com informações da Agência Câmara de Notícias