Em semana de trabalho intenso no plenário, a Câmara aprovou seis propostas, entre elas a MP que permite a privatização da Eletrobras, que encontrou forte resistência da oposição. Conclui também a análise das MPs sobre renegociação de dívidas com fundos públicos, que voltaram do Senado, acolheu projeto que proíbe despejos até o final de 2021 e outro que aumenta as penas para o crime de feminicídio.
Eletrobras
O modelo de desestatização da Eletrobras, previsto na MP 1031/21, prevê a emissão de novas ações da empresa, a serem vendidas no mercado sem a participação do governo, o que vai resultar na perda do controle acionário de voto mantido atualmente pela União.
Apesar de perder o controle, a União terá uma ação de classe especial (golden share) que lhe garante poder de veto em decisões da assembleia de acionistas a fim de evitar que algum deles ou um grupo de vários detenha mais de 10% do capital votante.
Para os oposicionistas, a medida representa perda de soberania, uma vez que a Eletrobras responde por mais de 30% da energia elétrica produzida no país, um recurso considerado estratégico. Ao falar pelo PDT, o deputado Pompeo de Mattos (RS) ressaltou que “de cada dez usinas hidrelétrica, nove são da Eletrobras”. O deputado afirmou ainda que a empresa detém 52% da água para gerar energia e 70% das linhas de transmissão.
Diante da importância da estatal, o deputado Paulo Ramos (PDT-RJ) considera que a privatização representa um “crime de lesa-pátria”, uma vez que para um país ser soberano, em sua concepção, tem de controlar setores estratégicos para a economia que permitam a implantação de um projeto nacional.
O líder do PDT, que entrou em obstrução durante a batalha no plenário, destacou tratar-se de “uma estatal lucrativa e estratégica para o país, que não pode ser rifada dessa forma”. Ainda conforme o líder pedetista, “mais uma vez quem vai pagar o pato é povo, com aumento da conta de energia”.
Segundo o texto aprovado, o governo terá de contratar térmicas por 15 anos, com entrega de 1.000 MW em 2026, 2 mil MW em 2027 e 3 mil MW em 2028. O preço será o teto estipulado no leilão de energia da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) de 2019 para térmicas a gás natural (leilão A-6). Esse é considerado um dos fatores que poderá encarecer a energia elétrica em até 20%.
Com o novo modelo, será concedido prazo de exploração de 30 anos para as usinas do grupo, incluindo aquelas cujo prazo já tenha sido prorrogado pela Lei 12.783/13, no governo Dilma, para Tucuruí, Itumbiara, Sobradinho e Mascarenhas de Moraes. Mas o prazo começa a contar da assinatura dos novos contratos.
A estimativa do governo com a desestatização gira em torno de R$ 100 bilhões pelo novo prazo de outorga. No entanto, do total que a empresa terá de pagar, a ser definido pelo Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), deverão ser deduzidos o custo da mudança do regime de exploração de cotas para produção independente, o custo com o saneamento da empresa para a desestatização e também os valores de:
– R$ 3,5 bilhões para reembolsar gastos com combustíveis de distribuidoras privatizadas e antes sob controle da estatal na região Norte;
– R$ 3,5 bilhões divididos em dez anos para a revitalização do rio São Francisco e do rio Parnaíba;
– R$ 2,95 bilhões divididos em dez anos para a redução dos custos de geração de energia na Amazônia Legal e para prover a navegabilidade no rio Madeira;
– R$ 2,3 bilhões divididos em dez anos para projetos nas bacias das usinas de Furnas;
– venda de energia a preço fixo para o Projeto de Integração do Rio São Francisco com Bacias Hidrográficas do Nordeste Setentrional (PISF); e
– contribuições por seis anos ao Cepel.
Os deputados aprovaram um dispositivo para permitir aos empregados demitidos na reestruturação da empresa optarem, em até 6 meses da demissão, pela compra de ações com o dinheiro da rescisão trabalhista. O preço da ação a ser vendida, em posse da União, seria aquele de cinco dias antes da edição da MP (em fevereiro deste ano). A União poderá ainda aproveitar os empregados em outras empresas do setor que continuarem sob seu controle, como Itaipu.
Entretanto, o líder do governo, deputado Ricardo Barros (PP-PR), já adiantou que não há compromisso do Executivo de sancionar esses dispositivos.
Internet
Outra proposta que causou polêmica foi a Medida Provisória 1018/20, que reduz encargos para estações terrenas de internet por satélite e altera regras de aplicação de recursos do Fust e de incidência de tributos sobre plataformas de streaming. Para os pedetistas, o texto original, apenas com redução de impostos para internet por satélite, é positivo, o problema foram as alterações promovidas pelo relator, deputado Paulo Magalhães (PSD-BA).
Inicialmente, a MP apenas reduzia três encargos incidentes sobre as estações terrenas de pequeno porte ligadas ao serviço de internet por satélite. A intenção do governo é fazer com que a diminuição dos encargos estimule o aumento desse tipo de serviço, que hoje conta com 350 mil pontos. A estimativa é chegar a 750 mil estações.
No entanto, o relator, incluiu novos pontos, deixando mais claro na legislação da Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica Nacional (Condecine) que ela não incide sobre empresas que oferecem serviços de vídeo por demanda.
Diante disso, Pompeo de Mattos, ao falar pelo PDT, disse “a ideia é boa, mas transformaram em algo que vai prejudicar os conteúdos nacionais, uma vez que o relator preferiu privilegiar a Netflix, as grandes empresas de streaming”.
Além disso, a versão aprovada altera em diversos pontos da Lei 9.998/20, que criou o Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (Fust).
O texto amplia a presença de membros do Ministério das Comunicações no conselho gestor do fundo – de um para dois –, o que permite ao governo controlar a secretaria executiva do colegiado. Hoje, o governo já indica o presidente do conselho, que é responsável por definir onde os recursos do Fust serão aplicados.
O parecer aprovado reduz o recolhimento do Fust, em até 50%, das operadoras de telecomunicações que executarem programas de universalização aprovados pelo conselho gestor e com recursos próprios.
Essa isenção valerá por cinco anos a partir de 1º de janeiro de 2022 e será progressiva: 10% no primeiro ano de vigência; 25% no segundo ano; 40% no terceiro ano; e 50% a partir do quarto ano da vigência.
Renegociação
Sobre renegociação de dívidas com fundos públicos, a Câmara aprovou duas medidas provisórias que voltaram do Senado. Uma delas (MP 1016/20) prevê renegociação extraordinária de dívidas com os fundos constitucionais do Norte (FNO), do Nordeste (FNE) e do Centro-Oeste (FCO). O benefício destina-se a empréstimos feitos há pelo menos sete anos e lançados, no balanço do fundo, como prejuízo total ou coberto por provisão.
O pedido por parte dos empresários poderá ser feito sempre que o interessado reunir as condições estipuladas, mas para aqueles que renegociarem até 31 de dezembro de 2022 aplicam-se descontos e bônus maiores. Para quem renegociar até esta data, os descontos variam conforme o porte do beneficiário. Após esse prazo, um regulamento definirá os descontos e bônus aplicáveis.
Para quitação da dívida, os descontos variam de 60% a 90%, conforme o empréstimo seja rural ou não rural, segundo o porte do beneficiário e caso o empreendimento esteja ou não localizado no Semiárido.
No cálculo do valor sobre o qual serão aplicados os descontos, tanto na quitação quanto no parcelamento, haverá diferenciação na correção da dívida original conforme o porte do mutuário. Se for miniprodutor ou agricultor familiar, a dívida deverá ser corrigida pelo IPCA ou pela aplicação dos encargos normais fixados em várias leis que regularam o tema e sem os bônus não usados. Para os demais produtores, a correção será pela variação do IPCA.
A todo caso, se a dívida estiver em cobrança judicial, será aplicado mais 1% a título de honorário advocatício.
Quem parcelar poderá pagar as prestações com juros vigentes do fundo para atividade econômica semelhante à originalmente financiada, com prazo de pagamento de dez anos (2023 a 2032).
Os descontos para pagamento em dia das parcelas por aquele que refinanciar a dívida variam de 20% a 50% segundo os mesmos critérios de enquadramento usados no desconto para quitação.
Serão abrangidas as parcelas em atraso, mas os descontos não poderão reduzir o valor original da operação de crédito ou implicar redução maior que 90% dos valores a serem renegociados. O prazo de pagamento será de até 120 meses.
Poderão ser renegociados ainda os débitos em atraso de empreendimentos rurais de qualquer porte não pagos até 30 de dezembro de 2013 caso se localizem no Semiárido e a cidade tenha tido estado de calamidade pública ou de emergência reconhecido pelo governo federal devido à seca ou estiagem no período de sete anos contados do empréstimo.
O texto aprovado ainda concede a suspensão do pagamento das parcelas devidas ou a vencer no período de janeiro de 2020 a dezembro de 2021 quanto aos empréstimos concedidos a miniprodutores e agricultores familiares prejudicados economicamente pela pandemia de covid-19.
Essas parcelas começarão a ser pagas depois de um ano da última prestação normal do financiamento feito com recursos do FNO, FNE ou FCO. Poderão contar com a suspensão aqueles com as prestações em dia em dezembro de 2019. Além disso, ficam mantidos os bônus por pagamento em dia, descontos e outros benefícios originalmente previstos.
No caso dos demais créditos, poderão ser suspensos os pagamentos das parcelas devidas no período de janeiro a dezembro de 2021. A suspensão poderá ser pedida pelos que estavam em dia com as prestações em dezembro de 2020.
A outra medida aprovada (MP 1017/20) permite a concessão de descontos para empresas quitarem ou renegociarem dívidas perante os fundos de investimento da Amazônia (Finam) e do Nordeste (Finor).
Criados em 1974, esses fundos são administrados pelos bancos da Amazônia (Basa) e do Nordeste (BnB). A partir de 1991, os financiamentos passaram a ser tomados com a emissão de títulos (debêntures) a favor dos fundos. Entretanto, segundo o governo, com as crises dos anos 90 o índice de inadimplência disparou e chega hoje a 99% em um total de R$ 43 bilhões de dívidas perante os fundos, a maior parte composta por juros.
Pelo texto aprovado, com uma alteração promovida no Senado, haverá descontos de 75% ou 80% para quitação e de 75% ou 70% para renegociação das dívidas. Os descontos aprovados pela Câmara em fins de abril foram de até 15% ou até 10% para a quitação; e de até 10% ou até 5% para a renegociação.
A carência para começar a pagar o parcelamento será de dois anos, contados da data de publicação da futura lei, independentemente da data de formalização da renegociação. Depois de seis meses do fim da carência, as parcelas semestrais devem ser pagas por até cinco anos, corrigidas pela Taxa de Longo Prazo (TLP) e com aplicação do Coeficiente de Desequilíbrio Regional (CDR).
O prazo para as empresas pedirem ao banco operador as operações de quitação ou parcelamento será de um ano, contado da data de publicação da futura lei. Depois da decisão favorável, terão mais um ano para quitar ou assinar o parcelamento. Se perderem o prazo, perdem as condições ofertadas.
Direito à moradia
O plenário acolheu ainda projeto (PL 827/20), que proíbe o despejo ou desocupação de imóveis até o fim de 2021. O texto suspende os atos praticados desde 20 de março de 2020, exceto aqueles já concluídos.
O texto aprovado incluiu partes de 22 projetos que tramitavam em conjunto, um deles do pedetista Túlio Gadêlha (PE) e de Marcelo Freixo (Psol-RJ). Esse projeto (PL 1112/20) institui medidas temporárias sobre despejo, locação e pagamentos em geral, enquanto durarem as medidas de isolamento ou quarentena, prevista na Lei 13.979/20.
O projeto do deputado Túlio também suspende o pagamento de multas rescisórias e correções monetárias de débitos durante a crise sanitária provocada pela covid-19.
Quanto à proposta principal, o texto prevê que serão suspensos os efeitos de qualquer ato ou decisão de despejo, desocupação ou remoção forçada coletiva de imóvel privado ou público, urbano ou rural, seja os de moradia ou para produção.
No caso de ocupações, a regra vale para aquelas ocorridas antes de 31 de março de 2021. “Com essa aprovação, por exemplo, avançamos uma importante etapa rumo à proteção de comunidades que estão em situação de vulnerabilidade”, afirma Túlio Gadelha.
O PL também protege os locatários de imóveis utilizados por microempreendedores individuais, microempresas e empresas de pequeno porte. Túlio Gadelha ressalta, entretanto, que o projeto não se aplica a quem tem como única fonte de renda o aluguel de um imóvel.
Feminicídio
Já o texto destinado a reduzir a violência contra mulheres, aumenta a pena para o crime de feminicídio para reclusão de pena de reclusão de 15 a 30 anos. Atualmente, a pena é de 12 a 30 anos. A proposta (PL 1568/19) ainda determina que esse tipo de crime passe a figurar como um tipo específico no Código Penal.
A a tipificação em separado do crime de feminicídio permitirá saber com mais precisão a quantidade desse tipo de crime, pois ele não será mais classificado como homicídio com qualificação.
Quanto ao tempo de cumprimento da pena para o preso condenado por feminicídio poder pedir progressão para outro regime (semiaberto, por exemplo), o texto aumenta de 50% para 55% de pena cumprida no regime fechado se o réu for primário. A liberdade condicional continua proibida.
Para réu reincidente, o tempo em regime fechado continua a ser 70% da pena total.
Em caso de crime hediondo seguido de morte ou feminicídio, o texto aprovado inclui ainda a proibição de concessão de saída temporária.
Com informações da Agência Câmara de Notícias