Em semana agitada, o plenário da Câmara aprovou PEC que altera a propriedade dos terrenos de marinha e projeto que legaliza jogos de azar no Brasil. Os deputados ainda acolheram dois projetos de apoio ao setor cultural – um institui a Lei Aldir Blanc 2 de apoio permanente à cultura, o outro, conhecido como Lei Paulo Gustavo, direciona R$ 3,86 bilhões ao setor. Passaram ainda o projeto que autoriza o Sistema Único de Saúde (SUS) a aplicar remédios com indicação diferente da recomendada pela Anvisa e MP que altera a taxa de fiscalização dos mercados de títulos e valores mobiliários.
Lei Aldir Blanc
Aprovado na quinta-feira, o Projeto de Lei 1518/21 institui a Política Nacional Aldir Blanc de Fomento à Cultura, com repasses anuais de R$ 3 bilhões da União a estados e municípios para ações no setor.
O texto aprovado lista 17 grupos de atividades culturais que poderão ser contempladas por meio de editais, chamadas públicas, prêmios, compra de bens e serviços, cursos e outros procedimentos. Entre eles, incluem-se estudos e pesquisas, concessão de bolsas de estudo no Brasil ou no exterior, aquisição de imóveis tombados, manutenção de grupos, companhias e orquestras e construção e manutenção de museus, centros culturais e bibliotecas.
Os R$ 3 bilhões serão divididos metade a metade entre estados e Distrito Federal e municípios. O rateio entre os entes federados seguirá dois critérios: 20% de acordo com os índices do Fundo de Participação dos Estados (FPE) ou dos municípios (FPM), conforme o caso; e 80% proporcionalmente à população.
Os municípios que receberem os recursos deverão incluí-los em sua programação orçamentária em 180 dias, sob pena de devolução aos respectivos estados.
No caso dos subsídios a espaços culturais, o valor de manutenção deverá variar de R$ 3 mil a R$ 10 mil, podendo ser usados tanto em atividades meio quanto em atividades fim, devendo ser corrigidos anualmente por índice de inflação definido em regulamento.
Para se candidatar ao subsídio, o interessado deverá estar inscrito em cadastros estaduais, municipais ou nacionais ou em sistemas de informações como o Sistema Nacional de Informações e Indicadores Culturais (Sniic) e o Sistema de Informações Cadastrais do Artesanato Brasileiro (Sicab).
Lei Paulo Gustavo
Também na quinta, o plenário acatou o projeto que institui a Lei Paulo Gustavo, que direciona R$ 3,86 bilhões do superávit financeiro do Fundo Nacional de Cultura (FNC) a estados e municípios para fomento de atividades e produtos culturais. A proposta (Projeto de Lei Complementar 73/21) retornará ao Senado devido às mudanças feitas pela Câmara.
A execução descentralizada dos recursos repassados poderá ser feita até 31 de dezembro de 2022, mas, se houver algum impedimento em razão de ser ano eleitoral, o prazo será automaticamente prorrogado pelo mesmo período no qual não foi possível usar o dinheiro.
O texto aprovado também altera a Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar 101/00) e permite aos entes federados excluírem os recursos recebidos da meta de resultado primário. Os deputados rejeitaram um destaque apresentado pelo Novo que pretendia retirar esse ponto do projeto.
A maior parte da verba (R$ 2,797 bilhões), vinda da arrecadação da Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica Nacional (Condecine), deverá ser aplicada no setor de audiovisual.
Desse montante, R$ 167,8 milhões serão distribuídos somente estre os estados e o Distrito Federal para apoio às micro e pequenas empresas do setor; para a distribuição e o licenciamento de produções audiovisuais nacionais a fim de exibi-las em TVs públicas; e aos serviços independentes de vídeo por demanda cujo catálogo de obras seja composto por pelo menos 70% de produções nacionais.
As produtoras devem ser empresas brasileiras independentes, e as distribuidoras devem ser controladas por 70% de capital em posse de brasileiros natos ou naturalizados há mais de 10 anos, vedadas aquelas vinculadas a concessionárias de radiodifusão.
O restante do apoio para o audiovisual será dividido metade para os municípios e metade para os estados. Entre as cidades, 20% do total serão rateados segundo os índices do Fundo de Participação dos Municípios (FPM) e 80% proporcionalmente à população. Entre os estados, 20% pelos índices do Fundo de Participação dos Estados (FPE) e 80% pela população. O Distrito Federal participa da distribuição junto aos estados e junto aos municípios.
Ao receber o dinheiro, o beneficiário deverá pactuar com o gestor cultural contrapartida social, incluindo obrigatoriamente a realização de exibições gratuitas dos conteúdos selecionados, com acessibilidade de grupos com restrições e direcionamento à rede de ensino da localidade.
Terrenos de marinha
Na terça-feira (22) o plenário aprovou em dois turnos a proposta de emenda à Constituição (PEC 39/11) que transfere gratuitamente a estados e municípios os terrenos de marinha ocupados pelo serviço público desses governos. O texto, que será enviado ao Senado, também permite a transferência onerosa para ocupantes particulares.
Segundo o substitutivo aprovado, a União ficará apenas com as áreas não ocupadas, abrangidas por unidades ambientais federais e as utilizadas pelo serviço público federal, inclusive para uso de concessionárias e permissionárias, como para instalações portuárias e conservação do patrimônio histórico e cultural.
A PEC prevê a transferência gratuita também dos terrenos de marinha onde estão instalados serviços estaduais e municipais sob concessão ou permissão. A transferência será gratuita ainda para habitações de interesse social, como vilas de pescadores. A partir da publicação da futura emenda constitucional, a União não mais cobrará foro ou taxa de ocupação dessas áreas ou laudêmio quando da transferência de domínio.
Áreas não ocupadas, se requisitadas pelos municípios para fins de expansão do perímetro urbano, poderão ser transferidas desde que atendidos os requisitos exigidos pelo Estatuto da Cidade e demais normas gerais sobre planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano.
Para adquirirem a posse definitiva do terreno de marinha, foreiros e ocupantes particulares regularmente inscritos junto ao órgão de gestão do patrimônio da União poderão deduzir do valor a pagar o que já foi pago a título de taxa de ocupação ou de foro nos últimos cinco anos, atualizado pela taxa Selic.
No caso de ocupantes não inscritos, a compra do terreno dependerá de a ocupação ter ocorrido há, pelo menos, cinco anos antes da publicação da emenda e da comprovação formal de boa-fé.
De acordo com o governo, existem cerca de 500 mil imóveis no País classificados como terrenos de marinha, dos quais em torno de 271 mil aparecem registrados em nome de responsáveis únicos (pessoas físicas e jurídicas).
O governo federal terá dois anos para efetivar as transferências e, adicionalmente, poderá ceder as áreas.
Jogos
Ao rejeitar sete destaques ao texto na quinta-feira, a Câmara concluiu a votação do projeto de lei que legaliza jogos de azar no Brasil, incluindo cassinos, bingos, jogo do bicho e apostas esportivas (PL 442/91). A proposta segue para análise do Senado, mas o líder do governo, deputado Ricardo Barros (PP-PR), já afirmou que o presidente Jair Bolsonaro vetará o projeto, se ele for aprovado na Casa revisora.
Pelo texto, as licenças para exploração de jogos de azar serão permanentes ou temporárias e cada estado poderá ter um cassino, com a exceção de Minas Gerais e Rio de Janeiro, que poderão ter dois, e São Paulo, três, uma vez que o critério é populacional.
A tributação dos jogos esteve entre os pontos mais polêmicos da votação. Um dos destaques do PT, rejeitado pelos deputados, queria aumentar a alíquota da Cide de até 17% para 30%, com a incidência sobre a receita bruta no lugar do lucro.
De acordo com o texto, os cassinos poderão ser instalados em resorts como parte de complexo integrado de lazer que deverá conter, no mínimo, 100 quartos de hotel de alto padrão, locais para reuniões e eventos, restaurantes, bares e centros de compras. O espaço físico do cassino deverá ser, no máximo, igual a 20% da área construída do complexo, podendo ser explorados jogos eletrônicos e de roleta, de cartas e outras modalidades autorizadas.
Em localidades classificadas como polos ou destinos turísticos, será permitida a instalação de um cassino, independentemente da densidade populacional do estado em que se localizem.
A proposta define esses locais como aqueles que possuam identidade regional, adequada infraestrutura e oferta de serviços turísticos, grande densidade de turistas e título de patrimônio natural da humanidade, além de ter o turismo como importante atividade econômica. Um cassino turístico não poderá estar localizado a menos de 100 quilômetros de distância de qualquer cassino integrado a complexo de lazer.
Novidade em relação a versões anteriores do texto é o funcionamento de cassinos em embarcações fluviais, sendo um para cada rio com 1,5 mil km a 2,5 mil km de extensão; dois para cada rio com extensão entre 2,5 mil km e 3,5 mil km; e três por rio com extensão maior que 3,5 mil km.
Essas embarcações não poderão ficar ancoradas em uma mesma localidade por mais de 30 dias consecutivos, e a concessão poderá ser para até dez estabelecimentos. Esses navios deverão ter, no mínimo, 50 quartos de alto padrão, restaurantes e bares e centros de compra, além de locais para eventos e reuniões.
No caso do bingo, o texto permite sua exploração em caráter permanente apenas em casas de bingo, permitindo-se a municípios e ao Distrito Federal explorarem esses jogos em estádios com capacidade acima de 15 mil torcedores.
As casas de bingo deverão ter capital mínimo de R$ 10 milhões. A área mínima é de 1,5 mil metros quadrados, onde poderão ficar até 400 máquinas de videobingos. Caça-níqueis serão proibidos.
Pelo texto, será credenciada, no máximo, uma casa de bingo a cada 150 mil habitantes. Os lugares licenciados contarão com autorização de 25 anos, renováveis por igual período.
Para a legalização do jogo do bicho, o texto exige que todos os registros da licenciada, seja de apostas ou de extração, sejam informatizados e com possibilidade de acesso em tempo real (on-line) pela União, por meio do Sistema de Auditoria e Controle (SAC).
Os interessados deverão apresentar capital social mínimo de R$ 10 milhões e reserva de recursos em garantia para pagamento das obrigações e deveres estipulados no projeto, exceto a premiação, podendo ser na forma de caução em dinheiro, seguro-garantia ou fiança bancária.
O credenciamento será por prazo de 25 anos, renovável por igual período se observados os requisitos. Poderá haver, no máximo, uma operadora desse jogo a cada 700 mil habitantes do estado ou DF. Naqueles com menos de 700 mil habitantes, deverá haver apenas uma credenciada para o jogo do bicho.
Medicamentos do SUS
A Câmara aprovou na quarta o projeto que permite ao Sistema Único de Saúde (SUS) receitar e aplicar remédios com indicação de uso diferente da aprovada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Para isso, basta que o medicamento seja recomendado pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (Conitec). A proposta (PL 1613/21), de autoria do Senado Federal, será enviada à sanção presidencial.
De acordo com o projeto, devem ser demonstradas as evidências científicas sobre a eficácia, a efetividade e a segurança do medicamento para o novo uso, com padronização em protocolo estabelecido pelo Ministério da Saúde.
Fica liberado ainda o uso de medicamento ou produto recomendados pela comissão e comprados por meio de organismos multilaterais internacionais, como a Organização Panamericana de Saúde (Opas), para uso em programas de saúde pública do ministério e de suas entidades vinculadas.
Títulos e valores mobiliários
Por meio da Medida Provisória 1072/21, o plenário aprovou mudanças na forma de cálculo da Taxa de Fiscalização dos mercados de títulos e valores mobiliários regulados pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Essas taxas agora serão reajustadas segundo o patrimônio líquido dos contribuintes. A MP será enviada ao Senado.
O texto aprovado prevê que a multa de mora (pelo atraso no pagamento) seguirá a legislação aplicável aos tributos federais em vez de 20% ou 10% se o pagamento ocorresse até o mês seguinte ao do vencimento, como constava da MP original.
Os juros de mora serão equivalentes à taxa Selic, na via administrativa ou judicial, e os encargos serão de 20% a título de honorários quando o débito for para dívida ativa, com redução para 10% se paga antes de ajuizada a execução.
Antes da MP, a taxa era trimestral e, a partir de 2022, será anual, devida no mês de maio. A exceção é para as empresas que quiserem entrar no mercado de ações negociáveis em bolsa, quando será devida no momento do pedido de registro na CVM, se a oferta pública for sujeita a isso, ou com a formalização da oferta pública de ações ao mercado se ela for dispensada de registro.
Nesse tópico, outra novidade no texto aprovado é estimativa da base de cálculo da taxa no caso de ofertas públicas de ações sujeitas a registro.
Segundo o texto, quando o valor da operação depender de procedimento de precificação, ou seja, determinação do preço da ação a ser lançada em razão da demanda pelos papéis que estão sendo negociados e do preço inicial, a taxa de fiscalização incidirá sobre o montante previsto para a captação, devendo ser recolhido eventual complemento da taxa caso o valor da operação supere a previsão.
Se houver desistência da oferta, o contribuinte não terá ressarcimento da taxa.
Para a oferta inicial, a taxa será de 0,03% sobre o valor ou R$ 809,16 se o índice resultar em valor menor. Atualmente, os índices da taxa variam de 0,05% a 0,64%, conforme o tipo de ação colocada em negociação.