Sancionada nesta quinta-feira (16), com 11 vetos, a lei que institui o novo marco regulatório do saneamento básico (14.026/20) promete tornar-se um novo cavalo de batalha entre o Planalto e o Congresso. Entre os pontos vetados por Jair Bolsonaro está o artigo que permite a prorrogação por 30 anos dos contratos de estatais em vigor sem nova licitação. Essa foi uma das demandas dos governadores na negociação do projeto que levou à nova lei, e os parlamentares já se articulam para derrubar o veto.
Privatização
A nova lei permite aos estados e municípios privatizar a prestação de serviços de saneamento básico, desde que por meio de licitação. Formas precárias de contratação foram expressamente vedadas. Tanto as empresas públicas que atuam no setor quanto aquelas que se interessarem em participar das licitações deverão comprovar capacidade econômico-financeira para universalizar os serviços até 31 de dezembro de 2033.
Para tanto, os contratos de prestação dos serviços de saneamento básico deverão garantir o atendimento de 99% da população com água potável, e de 90% com coleta e tratamento de esgotos até esta data. Devem estabelecer ainda metas quantitativas de não intermitência do abastecimento, de redução de perdas e de melhoria dos processos de tratamento.
Livre concorrência
Dentre os demais pontos vetados pelo presidente da República está o dispositivo que limitava as novas regras de concorrência a serviços de água e esgoto. Com isso, o setor de resíduos sólidos não seria atingido pelas normas do marco legal. O governo vetou ainda o item que permitia a estados e municípios assumir o controle dos serviços no caso de venda do controle acionário da empresa pública.
Bolsonaro também retirou do texto a parte que passava ao Conselho Nacional de Recursos Hídricos a responsabilidade por acompanhar a execução do plano de universalização dos serviços de água e esgoto.
Ao justificar o veto mais polêmico, que permitia a prorrogação dos contratos de empresas públicas em vigor, a Presidência da República argumenta que a lei prolongava demais a situação atual. Com isso, afirma que iria “postergar soluções para os impactos ambientais e de saúde pública decorrentes da falta de saneamento básico e da gestão inadequada da limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos”.
Na justificativa do veto, sustenta ainda que a prorrogação dos contratos em vigor iria “limitar a livre iniciativa e a livre concorrência, em descompasso com os objetivos do novo marco legal do saneamento básico que orienta a celebração de contratos de concessão, estimulando a competitividade da prestação desses serviços”.
Quebra de acordo
No Congresso, no entanto, parlamentares acusam o governo de quebra de acordo e já negociam a derrubada da decisão presidencial. Em matéria de hoje no jornal Folha de S. Paulo, o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), afirma que, “se por parte do governo, não houve a eficácia do entendimento, houve o lapso da parte do Executivo –que eu reputo que não é certo–, a gente tem como corrigir isso aqui na sessão do Congresso Nacional”.
Relator do projeto no Senado, Tasso Jereissati (PSDB-CE), considerou o veto um “tiro no pé”, porque vai criar mais uma polêmica desnecessária, também conforme matéria da Folha. Segundo o senador, havia um acordo, costurado com o líder do governo no Congresso, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), para que apenas três dispositivos fossem vetados.
Tasso Jereissati explica que um veto ocorreria a pedido do senador Major Olímpio (PSL-SP), ao ponto que tratava de serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário, e outros dois a pedido do ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho. “Nenhum outro veto ficou acordado, nenhum outro veto”, garante.
O relator do projeto na Câmara, deputado Geninho Zuliani (DEM-SP), também se diz surpreso com os vetos. Para o deputado, “o governo pegou pesado”. Ele explica que construíram um acordo com o Executivo na Casa, que ficou ainda mais nítido no Senado, com “a presença do líder do governo [Fernando Bezerra Coelho]”.
Para Zuliani, o histórico de negociação com o governo dá força ao Congresso para derrubar os vetos, em especial ao artigo que trata da renovação de contratos de estatais. “Acordo tem que ser cumprido. O governo fez acordo envolvendo alguns vetos, mas em nenhum momento se tocou no artigo 16 [de renovação dos contratos]”, diz.
Coordenador da Frente Parlamentar Mista em Defesa do Saneamento, o deputado Enrico Misasi (PV-SP) afirma que a negociação em torno do artigo de renovação de contratos de estatais foi justamente a que conseguiu reduzir a resistência de governadores ao texto. “A gente combinou e encontrou um consenso em torno do artigo 16. O veto pode causar resistência entre os governadores”, afirma.