*por Chico D`Angelo
Aparente descaso com a Copa é saudável: o pouco entusiasmo é a prova de que o futebol está longe de ser uma diversão alienante
A proximidade da Copa do Mundo levanta uma série de questões sobre as relações entre o esporte e a política. Há quem defenda a ideia de que futebol e política não se misturam; como se um jogo extremamente popular pudesse não ser político. A rigor, políticos são todos os atos das mulheres e dos homens em sociedade.
A Copa de 1934, realizada na Itália fascista e utilizada por Benito Mussolini para fazer a propaganda de seu governo, não é um exemplo isolado. Outros torneios mundiais foram profundamente marcados pela politização do certamente.
Podemos lembrar, por exemplo, da intensa propaganda que a ditadura militar brasileira fez do triunfo da seleção na Copa do Mundo de 1970, vinculando o título do Brasil ao “milagre econômico” dos sombrios tempos do presidente Médici. A Copa de 1978, realizada na Argentina durante a sangrenta ditadura militar no país vizinho, é outra em que essa relação ficou bastante evidenciada.
Diversos observadores e analistas têm apontado a pouca mobilização popular que até agora se verifica no Brasil em relação ao certame de 2018. A tradição das ruas pintadas, das pessoas vestidas de verde e amarelo, do sucesso das músicas compostas para apoiar a seleção no Mundial, parece estar ausente nos dias atuais.
Há quem aponte esse aparente desinteresse como resultado da profunda crise em que o país está mergulhado, sobretudo após o golpe que colocou Michel Temer no poder. Há quem ressalte que a maioria esmagadora dos convocados para a seleção atua na Europa, o que diminui o vínculo entre os atletas e a torcida. Há ainda quem veja no desanimo atual um reflexo da traumática derrota para a Alemanha em 2014.
Considero saudável esse aparente descaso com a Copa do Mundo e aposto que, na hora dos jogos, a torcida pela seleção brasileira vai ser intensa e apaixonada como sempre foi. O pouco entusiasmo é a prova de que o futebol está longe de ser uma diversão alienante da política do pão e circo. Não foi o uso espúrio do triunfo da seleção em 1970 que sustentou a ditadura militar. Foram os tanques de guerra e a repressão brutal, como ressaltou João Saldanha, o técnico que comandou o time nas eliminatórias para a Copa e foi afastado pouco antes do Mundial.
É possível assistir à Copa, torcer pela seleção, se integrar apaixonadamente ao jogo, sem esquecer-se da luta contra a crise, o desgaste das instituições, o desmonte do patrimônio público brasileiro, as ameaças aos direitos dos trabalhadores, o descalabro do desabastecimento que assombrou o país, o abandono de um projeto soberano de nação, as escusas transações que envolveram recentemente a própria CBF.
O amor pelo futebol é um patrimônio do povo brasileiro. Não façamos dele um sentimento alienante, a serviço de um nacionalismo despolitizado, socialmente descompromissado com as difíceis tarefas que o Brasil tem pela frente no campo dos direitos sociais, da economia, da cultura e do exercício da democracia.
Torcer, festejar, vibrar, lutar, protestar, se organizar, ir às ruas para comemorar o gol e ir às ruas para reivindicar direitos sociais não podem ser tarefas excludentes. A festa não nos exime da responsabilidade com o Brasil em um momento tão difícil. A responsabilidade com o país não tira, por outro lado, o nosso direito de celebrar a vida entre gols, derrotas e conquistas da seleção canarinho.
Estaremos na torcida e na luta, pelo hexa e por um país melhor.
*Chico D’Angelo é deputado federal (PDT-RJ)