Em entrevista exclusiva à coluna, o deputado Afonso Motta (PDT-RS) critica o texto da reforma administrativa, pronto para votação no plenário na Câmara, por permitir o que ele chama de “terceirização” dos serviços públicos. “Vai ser difícil a aprovação dessa matéria”, prevê. Advogado e produtor rural, Motta é o atual presidente da Comissão de Trabalho, Administração e Serviço Público da Câmara.
Ele também condena a agenda do governo Jair Bolsonaro para o mercado de trabalho por insistir num conjunto de propostas que “só precariza”. O deputado afirma ainda que a comissão comandada por ele está no aguardo de projetos de lei para regulamentar a prestação de serviços por aplicativos. “Eu defendo que a relação seja protetiva. Não obrigatoriamente o estabelecimento de vínculo empregatício”, afirma.
Como o senhor avalia a situação do mercado de trabalho no Brasil?
A situação atual é de muita preocupação. Um volume importante de desempregados, crescimento da informalidade e uma dificuldade de compreender, inclusive, a dinâmica das estatísticas que prestam essa informação à sociedade. Nós aqui na Comissão de Trabalho, Administração e Serviço Público temos procurado dar nossa contribuição. Qual tem sido o nosso princípio? Dar uma atenção especial para os projetos que, são muitos, tentam agravar essa circunstância.
Por exemplo: quando iniciamos a nossa gestão na Comissão, havia um projeto que acabava com os frentistas nos postos de gasolina. Esses frentistas representam praticamente 100 mil postos de trabalho no Brasil inteiro. Desenvolvemos todos os esforços no sentido de arquivar esse projeto, considerando a realidade nacional, sem entrar muito no mérito. E, claro, junto com o projeto, veio uma exposição de motivos, uma apresentação falando de realidades que não são as realidades brasileiras. Nós procuramos não considerar esse tipo de argumentação.
No começo do mês, o Senado derrubou a Medida Provisória (MP) 1.045 do governo Bolsonaro. A MP ficou conhecida como “nova reforma trabalhista” porque propunha uma série de programas de geração de emprego que, segundo críticos, retiravam direitos e criavam trabalhadores de segunda classe. Qual é sua avaliação?
Essa proposta está dentro do mesmo contexto da reforma trabalhista e da reforma da Previdência. Uma tentativa, só que via Medida Provisória, de precarização. Na relação social, sempre tem uma parte que é mais fraca. Ou na relação pública ou na relação privada. Não há dúvida de que o Estado é mais forte. Não há dúvida de que o empregador é mais forte.
Então, tem um princípio universal de proteção que vem sendo desconsiderado. E que vem sendo trocado pelo rigor fiscal e pelo desmerecimento daquilo que é essencial em qualquer relação social: a dignidade humana. Felizmente, o Senado rejeitou a MP 1.045. Mas, na última audiência pública que realizamos com o novo ministro do Trabalho [Onyx Lorenzoni], ele foi enfático, dizendo que vai tentar constituir alternativas para que o tema da MP 1.045 retorne para a pauta e seja aprovado. O governo não vai desistir.
Eu sou trabalhista. O presidente do meu partido [Carlos Lupi] foi ministro do Trabalho. Nós entendemos que esse espaço de implementação de política pública é fundamental. Não se justifica que esse espaço seja relegado a um segundo plano dentro de outro ministério. Então, nós fomos favoráveis, sempre fomos, à existência do Ministério do Trabalho.
Agora, claro que nós não deixamos de fazer a nossa crítica à forma de condução [de Onyx Lorenzoni]. Veio em cima de um contexto programático de um governo que não tem programa. E o que a gente vê? Colocaram no Ministério do Trabalho alguém que é conservador e reacionário, e que não vai alcançar aqueles [padrões] mínimos dentro do contexto da relação social – que tem que ser uma relação harmônica. Não pode ser uma relação que só precariza, que só limita.
Quando ainda era presidente da Câmara, o deputado Rodrigo Maia chegou a dizer que iria pautar uma análise unificada dos projetos de lei que tratam da regulação de trabalho por plataformas, como Uber e iFood. Como a Comissão que o senhor preside vem tratando desse tema?
Aqui na Comissão ainda não temos uma expressão com relação a isso. Mas nós temos uma preocupação especial com o Projeto de Lei (PL) 5069/2019 [de autoria de Gervásio Maia (PSB-PB), que regula aplicativos de transporte terrestre], que está na Comissão de Desenvolvimento Econômico, e deve vir para cá.
Eu defendo que, assim como as demais relações sociais, e essa é uma delas, que ela seja protetiva. Não obrigatoriamente o estabelecimento de vínculo empregatício. Não tenho essa opinião formada. Mas, a tudo aquilo que for para precarizar, eu vou me contrapor. Agora, tem coisas que são inviáveis. Regular todos os aplicativos, vinculando da forma tradicional a relação empregatícia, é quase que um propósito inalcançável. A facilidade na utilização tem que ser considerada.
O que o senhor achou do texto da reforma administrativa aprovado na semana passada na comissão especial?
Nós temos feito um grande esforço tanto na comissão especial, como na Comissão de Constituição e Justiça. Realizamos aqui mesmo na Comissão de Trabalho um debate importante para reduzir os danos. Essa é a nossa visão. Mas nós vamos votar contra. Achamos que o parecer é ruim porque recuperou o artigo 37-A [que altera a Constituição e prevê “instrumentos de cooperação” com a iniciativa privada para a prestação de serviços públicos], que é uma terceirização. Mas vai ser difícil a aprovação dessa matéria, tem que ter uma margem. Não dá para botar uma matéria dessa dimensão com menos de 330, 340 votos.
Uma das grandes alegações [contra a reforma] é a necessidade de um debate mais aprofundado. Nós sabemos que é preciso aperfeiçoar, que é preciso fazer alterações na relação com o serviço público. Mas não pode ser embasado nesse princípio de que o fiscal prevaleça, e que o desempenho do servidor – que teve um desempenho extraordinário durante a pandemia – seja desconsiderado. Quem vai ser o grande prejudicado dessa reforma vai ser a base da pirâmide. Não serão aqueles que têm a melhor situação ou o espaço mais alto dentro das carreiras de estado.
Entrevista concedida à coluna de Carlos Juliano Barros, do portal Uol